Muitos
de vós podem ter chegado a este post pela curiosidade despertada no título,
pois não é normal ver Alfama pelo lado pejorativo da coisa, o que é
normal é ver blogs que expressão um amor incondicional por este bairro
alfacinha. Imagino muitas cabecinhas a trabalhar “ então mas a terra-berço de
um dos patrimónios imateriais mais valioso de Portugal é uma miséria, como
assim?” Do ponto de vista de alguém-que-viveu-lá-dois-meses é e passo a
explicar.
Um
dia vi uma casa, pequena e aconchegante em Alfama e decidi arrendar depois de
apenas 1 hora dentro da mesma, à conversa com a senhoria. É normal que quem vá
arrendar uma casa corra riscos, pois ninguém sabe como serão os
vizinhos e também ninguém adivinha que problemas de infiltração
poderá ter. Na primeira tarde de mudanças já queria desistir mas como
não podia – contrato de 6 meses – pensei: isto é momentâneo, tem calma Anabela,
respira fundo. Assim fiz, enchi os pulmões de ar e lá parti, encorajada, para a
primeira semana na casa. Péssima. Comecei a perceber que
a construção de Alfama tem mais de cem anos no mínimo e da minha
casa que era um primeiro andar ouvia literalmente os vizinhos de baixo e de
cima. Só não digo dos lados porque o prédio ancestral só tinha frações de um
lado. Enfim, que desgastante que foi durante todas as semanas, todos os dias que
lá estive levar com algum género de pessoas que moram em Alfama, que por sua
vez são ainda a maioria.
Primeira
conclusão, aferida depois de ter ouvido a minha vizinha do prédio da
frente que conversava aos berros da sua janela com todas as outras vizinhas,
e que tem inclusive uma almofada colocada no parapeito para não magoar os
braços devido às horas que lá passa a bisbilhotar, os alfamenses não gostam de
turistas nem de gente nova no bairro. O que eles queriam era que tudo fosse
como antigamente: “não devia morar cá ninguém que não fosse do bairro”, gritou
ela.
Segunda
conclusão, a maioria dos moradores de Alfama são idosos, os habitantes
antigos e por isso os jovens vão ter sempre um entrave em morar ali, pelo menos
enquanto não for metade-metade. No início, a minha ideia também foi,
ah e tal isto vai ser tão giro morar num sítio cheio de pinta e história, deve haver
pessoas tão interessantes no dia-a-dia de bairro, vou poder fazer a vida à
volta da minha casa. Desenganem-se pois as mercearias são muito poucos e sem condições e as pastelarias estão a preço de turista, logo a vida local foi-se.
Terceira conclusão, o
problema social. Ninguém fala, mas Alfama têm-o incoberto. No andar de baixo
para além de morar a idosa de que já vos falei, mora a sua neta que teve uma
gravidez na adolescência e a respectiva criança. Esta família
completamente disfuncional está acordada até às 3 da manhã diariamente a trocar
asneiras entre si, com uma menor de 4 anos, que também já chama filha da puta à
mãe, a retribuir a ofensa da própria mãe. A Comissão Nacional da Protecção das
Crianças e Jovens já sabe do caso e tentaram intervir mas quando vieram
ao local inspeccionar as condições em que a menor estava, a mãe e a bisavó,
arrumaram-na colocando tudo o que era supérfluo e de mau aspecto no
corredor do prédio e o caso ficou suspenso até à data.
Falo de um grave
problema social porque a somar-se a este caso há o da prima, uma miúda que ofende a mãe, a avó e também não frequenta a escola tal como a outra criança minha vizinha cuja mãe irresponsável dá permissão para estar acordada habitualmente até madrugada. Que futuro têm estas crianças? Não é
brilhante de certeza e está em risco o próprio crescimento/ desenvolvimento
digno enquanto cidadãs e seres humanos, formação e educação. Estes menores
serão sempre problemáticos, herdam dos pais essa faceta, e um dia serão eles a
andar pelas ruas de Alfama ou Santa Apolónia o dia inteiro sem trabalho
e perspectiva de vida.
Para
terminar, à exceção dos sábados à noite em que até se
vai a uma tasquinha ter uma experiência gastronómica e musical de bradar
aos céus, o local em si sofre por ser às portas de Santa Apolónia, onde passei
recentemente por uma experiência de quase tentativa de agressão de um bêbedo a
quem não dei dinheiro quando estava a sair do carro.
É a este miserabilismo que me refiro. Voltarei
a Alfama muitas vezes espero, em trabalho ou em lazer mas ao fim de poucas
horas quero regressar à minha morada segura, sem ter de me cruzar com
um alcoólico violento que faz do cheiro de flores e de mar de Lisboa
um cheiro putrefacto.
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