Monday, June 7, 2010

O anjo negro de Luanda

“Uma mulher cai do céu durante uma tempestade tropical”. É esta a primeira frase da contracapa de “Barroco Tropical” - a décima oitava obra editada em português do escritor José Eduardo Agualusa. Ainda que nesta contagem se incluam textos soltos, crónicas e livros acaba por ser um número assustador, não no sentido semântico da palavra claro está, mas pela responsabilidade imputada numa fase de (quase) maturidade de Agualusa.
O título não podia ser mais eficaz e justo. Afinal o Barroco – estilo artístico que nasceu no século XVI em Itália – privilegia “os contrastes, a dramaticidade, a exuberância e realismo, e uma tendência ao decorativo, além de manifestar uma tensão entre o gosto pela materialidade opulenta e as demandas de uma vida espiritual”. Que definição tão perfeita para Kianda: artista, cantora e uma das personagens principais do livro. Ela busca incessantemente um conforto espiritual e afectivo, embora sem a coragem necessária no amor. Auto-consciente do seu dom vocal e representativo (aqui como no estilo barroco) que nasceu com ela. Considera-se uma estrela mas não consegue brilhar fora do palco sem alguém ao seu lado. Talvez o medo a ameace.
Do início ao fim da narrativa Lulu Pombeiro (o marido) foi para Kianda (a estrela) o rochedo no qual assenta toda a sua minha vida.
O encontro de Kianda e Bartolomeu Falcato (escritor e amante) é, no espaço e no tempo, fantástico. Ambiente noctívago com fumo à mistura, ou não estivessem num bar de jazz no bairro da Mouraria, em Lisboa. A conversa desembrenha-se no final da performance de Kianda e a superioridade da música africana face à brasileira é um dos temas do diálogo.
Os dois voltavam a encontrar-se anos mais tarde, no Rio de Janeiro. Atente-se à mensagem que despoleta aí o relacionamento proibido de ambos: “decifra-me ou devoro-te”.
“Barroco Tropical” centra-se, nas palavras de Agualusa, “ em como o medo destrói, transforma, transtorna, corrompe as pessoas. Como destrói as ligações de amizade, as relações familiares. Como as ditaduras e os regimes totalitários utilizam o medo, não só para submeter as pessoas mas para as degradar.” Ou seja, o sentimento do medo surge como um o fio condutor e transversal ao enredo.
Da dezena de personagens, para além dos amantes já apresentados, faz parte uma modelo – Núbia - que sofre calada; a beleza fez com que entrasse nos meandros delinquentes do poderio Angolano. A propósito ao longo dos vinte e cinco capítulos do livro, Agualusa vai destacando amiúdes vezes, no final de cada texto, parágrafos conclusivos com a realidade factual, e há intencionalidade nisto. Consciencializar para os problemas -- político-económico-socia l -- da antiga colónia portuguesa, como neste excerto: “o Povo, ou Eles, é como em Angola nós, os ricos, ou os quase ricos, designamos os que nada têm. Os que nada têm são a esmagadora maioria dos habitantes deste país”.
Os contos mirabolantes como o da caveira falante prometem divertir os cépticos e os supersticiosos. Mais, reza o mito que existe um tal anjo negro em Luanda, mantido e cuidado há séculos por um grupo de pessoas.
Relativamente ao tropical deste barroco é notório pela musicalidade da escrita e pelas cores inebriantes de uma Luanda de 2020. Estamos pois no domínio da literatura, das estórias dentro da própria história, fazendo-nos pensar no segundo sentido da vida. Agualusa está no seu melhor, ao estilo do vencedor “ O Vendedor de Pássaros” (2004). É a cultura lusófona senhores!

No comments:

Post a Comment