Saturday, June 12, 2010

"Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos" a performance abriu o festival Alkantara no Porto e desceu até Lisboa


No penúltimo dia da terceira edição do festival de dança e teatro Alkantara, a Culturgest instalou a sua melhor blackbox para receber o espectáculo de dança/performance “Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos”, o mais recente da coreógrafa Vera Mantera, desta feita acompanhada com convidados que interpretaram e co-criaram.
Ter estado lá é uma experiência transcendental. Não é dança, garantidamente. São movimentos de corpo e de mente. Tudo gira em torno de umas cabeças plásticas, imaginem aqueles manequins de montra, é do género. Ao longo de uma hora e quinze minutos entraram e saíram do palco quatro bailarinos principais – dois homens e duas mulheres – com personalidades muito distintas mas fortes. Traziam essas cabeças na mão como se fossem meros recipientes destinados aos mais variados fins. De dentro delas saíram, imagine-se: carros em miniatura, aviões também em formato mini, dinheiro em moedas e notas, dezenas de cartões de crédito, palha, uma mulher insuflável, diamantes e algumas outras coisas simbolicamente supérfluas, ou seja, uma verdadeira crítica à futilidade das ruas.
Por momentos é como se estivéssemos numa viagem ao mundo absurdo de David Lynch, mas em performance.
O espaço onde a acção acontece fica cheio de objectos. Quando pensávamos que já nada nos poderia surpreender entra uma das personagens com uma daquelas cabeças de manequins de montra numa mão e de lá de dentro começa a retira um líquido – não muito líquido - de cor cobre. De seguida começa a espalhá-lo pela cara plástica que tem na mão, como se fosse base de maquilhagem e vai chorando num momento que não fica muito claro. Como se a absurdez alguma vez fosse clara. Kafka também nunca foi concreto, Boris Vian também não. Há simplesmente mensagens que não têm sentido, são vazias, mas que têm significado por isso mesmo. Mas prosseguindo, “Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos” é um jogo tenaz, quem se manteve até ao final pôde perceber que regras foram utilizadas - uma visão trágica da sociedade consumista. A terminar uma das duas bailarinas faz um brilharete, despertando o riso geral de quem assistia. De dentro de uma das cabeças tira um manual de instruções, como se de um electrodoméstico se tratasse, como se a nossa mente, para funcionar bem, tenha de ser utilizada com um livro de instruções. Ver para além do óbvio, do estático, pensar, é o que se pode retirar daí. O culminar dá-se quando estão todos os intervenientes em palco, uma espécie de elogio da loucura, com uns avião telecomandados a sobrevoar o espaço.
Uma performance que pode interpretar-se de várias formas e por isso a opinião não foi consensual: “foi interessante” disse, num tom bastante lato, um espectador.
Em síntese, é um espectáculo para uma minoria por isso se não gosta de escrita sarcástica e “fora” fez bem não ir. Se fosse retiraria talvez uma mensagem do género: use a sua mente segundo um bom manual de instruções, seja ético e boa pessoa, distinguindo claramente aquilo que faz falta do que não faz, caso contrário poderá avariar ou simplesmente bloquear o seu cérebro - limitar-se ao óbvio. Vera Mantero começou por ser uma bailarina da Gulbenkian, agora é e sempre será uma coreografa visionária.

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